quarta-feira, outubro 30, 2019


A construção de um sonho

“AVES DE FOGO”[1]


DO CÉU VEIO O RAIO
QUE DESTRUI O PARAÍSO
DO CHÃO RENASCEU A VIDA
QUE NO FOGO ARDIA
 FÚRIAS E DESATINOS
A CHAMA A QUEIMAR O SUOR DO DIA
 OLHOS PERPLEXOS
BERROS A ROLAR
SÃO OS ESTALOS DE AGONIA
O CHEIRO DA LIDA A ESFARELAR
 VEJO UMA LUZ
UMA BRASA A QUEIMAR
É O SUSPIRO DA VIDA
A CHANCE DE VOLTAR
O MOMENTO DE ENXERGAR
QUE:
 TODOS SOMOS UM
TODOS DEVEM CAMINHAR
 LÁGRIMAS ACONTECERAM
BOCAS A SOLUÇAR
NESTA VIDA TEMOS QUE LUTAR
 VAMOS NOSSA GENTE!
TEMOS QUE NOS LEVANTAR
 DANDO AS MÃOS
OLHANDO PARA FRENTE
CABEÇAS LÚCIDAS
PÉS NO CHÃO

E A TODOS UM SÓ CORAÇÃO.

O Ecoponto do Carmo é um projeto idealizado e iniciado na administração do prefeito Edinho- PT, no ano de 2002, no bairro do Carmo em Araraquara, situado próximo ao centro da cidade.
            O objetivo do projeto era criar um ponto de recepção de materiais recicláveis no próprio bairro, e também reunir os catadores da região para trabalharem na coleta seletiva na área de abrangência proposto. Inicialmente eram 6 pessoas, que se reuniram informalmente e criaram a Associação Cidade Limpa, eles saiam com seu bags pelas ruas do bairro para recolherem o material da população, e depois revendiam aos atravessadores locais.
            No começo do projeto a situação de trabalho era muito precário, não havia apoio da sociedade civil, de empresas locais, e do poder público. Com o tempo o material coletado foi se acumulado, trazendo problemas para os próprios catadores e a população vizinha, pois a presença de ratos e insetos era constante. Em meados do ano de 2002, foi disponibilizado por uma Usina da região uma caminhonete, com motorista e o abastecimento diário incluído, isto possibilitou que o montante de material recolhido aumentasse, no entanto, mais material foi se acumulando no terreno da Associação
            Mais pessoas foram sendo associadas para tentar diminuir a quantidade de lixo acumulado, estavam em catorze pessoas, mas mesmo assim não conseguiam criar um processo de trabalho capaz de solucionar o problema, o ganho mensal eram muito baixo, pelo tanto de material que possuíam, existia também o desvio de material pelos próprios catadores, principalmente o cobre e o alumínio, que possuem o valor do Kg maior que os outros materiais.
            Em 2003, depois de muitas tentativas de organização do pessoal, a Secretária Municipal de Desenvolvimento Econômico, interveio, devido às várias denúncias de irregularidades dos próprios catadores, e da vizinhança. Segundo o secretário do desenvolvimento econômico de Araraquara Paulo Sérgio Sgobbi, a atitude da Prefeitura em intervir era que o projeto deveria se auto-gerir, portanto, era preciso resgatar os princípios para qual foi idealizado.
            Durante 2 meses, eu como assistente e sociólogo da Secretaria, trabalhei durante todo o expediente para administrar junto aos catadores o local, e tentar criar um mínimo de processo de trabalho que inexistia, assim como o conhecimento dos princípios autogestonários. Era responsável por auxiliar no resgate e na padronização das rotinas de trabalho, fiquei responsável pela abertura e fechamento do barracão, anotava tudo o que era recolhido de material na rua, o que era vendido, e o quanto eram revertidos em dinheiro, no final do dia, informava a todos os trabalhadores sobre a produção. A coordenação do Ecoponto neste período ficou a cargo de duas associadas, escolhidas em eleição da qual participaram 13 trabalhadores.
Muitos cooperados ficavam bêbados e utilizam entorpecentes no local de trabalho, aos poucos isso foi acabando, assim como os desvios de materiais. Alguns cooperados sabiam onde eu morava e apareciam de manhã, à tarde ou à noite pedir algum conselho e dinheiro, era uma situação muito complicada.
            Aves de Fogo surgiu de um poema que fiz no dia que entrei no Ecoponto e ele estava em cinzas, foi no final de novembro de 2003, após um mês de recolhimento, separação, e armazenamento, houve um incêndio misterioso, o local já estava fechado, já era noite. Muitos associados acham que pode ter sido algum catador que havia sido expulso da Associação devido à comprovação de desvio de material, ou por usuários de drogas que segundo vizinhos, utilizam o local para usar e traficar entorpecentes. Depois daquele dia, olhando nos olhos de cada um achei que os cooperados iriam desistir do projeto, mas ocorreu o contrário, eles se uniram ainda mais.
            Foi um período de muita experiência e desafios enfrentados, mas que com a intervenção e por tudo que passaram, eles puderam aprender que com o trabalho conjunto o resultado final é sempre melhor que o individual. E isso foi muito importante para o desenvolvimento do Ecoponto, da Acácia e da coleta seletiva na cidade.

 Para  onde seguir?

No ano de 2004, começou com outra perspectiva em suas vidas, devido ao projeto de implantação da coleta seletiva solidária na cidade de Araraquara, o grupo de catadores da acácia, formada por 52 pessoas que ficavam na usina de lixo triando o material reciclável e o grupo do ecoponto do carmo que ficava andando pelo bairro recolhendo material porta a porta, se uniram dando origem ao primerio grupo de coleta seletiva na cidade denominado Cooperativa de catadores de materiais recicláveis Acácia. Conseguiram abranger cerca de 25% da cidade. Esta união foi muito positiva, conseguiram formalizar a cooperativa na junta comercial, redigiram o estatuto e o regimento interno, estabeleceram convênios com a prefeitura e com o departamento de água e esgoto da cidade, e por fim conseguiram recursos do Bndes.
Foi uma mudança muito grande para o pequeno grupo de trabalhadores do carmo, tanto no trabalho como em suas vidas, ressurgiram como a fênix, literalmente das cinzas, para ocuparem seus espaços nesta sociedade tão desigual e desumana.



[1] Este poema foi escrito por mim e dedicado a todas as pessoas da Associação Cidade Limpa, ecoponto do Carmo, após o incêndio ocorrido em dezembro de 2003, no barracão. Um incêndio nunca explicado que destruiu toda a produção mensal, de recolhimento e separação do lixo, deixando em cinzas os sonhos de todos  aquelas pessoas, mas que com o tempo foram se levantando e construindo um novo sonho- tornar-se uma cooperativa.

Paulo Albano Filho



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